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Ouça o que eu digo: não ouça ninguém

Por Rodrigo Strauss
Introdução

Existem algumas dicas que valem não somente para programadores, mas para qualquer tipo de profissional, e essa é uma delas. Não acredite nas coisas que você escuta, pelo menos não até que você confirme isso com uma outra fonte mais confiável ou consiga uma segunda opinião. Sua informação pode estar incompleta, fora de contexto, ou simplesmente, errada mesmo.

Era uma vez

Minha esposa está grávida. No último ultra-som que ela fez, com aproximadamente 20 semanas de gravidez (essa história de contar tempo em semanas não entra na minha cabeça...) foi diagnosticado que ela está com a placenta baixa. A explicação dada pela médica que fez o ultra-som, foi de que a placenta baixa é caracterizada pela posição incorreta da placenta dentro do útero. Ela está baixa, ou seja, muito próxima ou sobre o colo do útero.

Como uma pessoa completamente normal, qual foi a primeira reação da minha esposa? “Vou procurar na Internet sobre placenta baixa”. E foi então o que ela fez.

Coleta de Informações

Entre as informações que ela encontrou, estavam:

  • Confirmação do que a médica (que só fez o ultra-som, não é a médica do pré-natal) falou;
  • Mulheres dizendo que têm placenta baixa e não é nada de mais;
  • Placenta baixa causa, geralmente, nascimento prematuro ou a obrigatoriedade de uma cesariana, já que a placenta está obstruindo a saída do bebê;
  • Existe a possibilidade da placenta ir naturalmente para o lugar correto com o passar do tempo.

Mulher grávida, por ação de diversos hormônios, ficam muito emotivas. Algumas choram por qualquer coisa (minha esposa contou de uma grávida que chorou com o desenho do Bob Esponja...) outras ficam extremamente irritadas (uma TPM vitaminada). Acho que eu não preciso dizer mais nada sobre o estado emocional dela depois do diagnóstico e dessas informações. Minha sorte é que ela faz parte do grupo das que choram por qualquer coisa...

E o diagnóstico é...

Até que chegou o dia de fazer a consulta de pré-natal. Fomos lá, eu, o futuro papai estreante, com zilhares de perguntas para fazer ao médico, e a futura mamãe, pronta para chorar à primeira palavra que o médico dissesse.

(Quando chegamos ao hospital para pegar o resultado dos exames, ouvimos das atendentes a declaração padrão, “estamos sem sistema, não podemos entregar o resultados dos exames agora”. COMO ASSIM UM HOSPITAL SEM SISTEMA? Já fiz sistemas muito menos críticos, e nós tinhamos 2 planos de contingência. Mas isso eu deixo para comentar outra hora.)

Munido da pilha de documentos e exames, o médico então nos chama. Já chegamos falando do diagnóstico e perguntando sobre as conseqüências e sobre o que deveria ser feito. Foi então que o médico olhou o ultra-som e confirmou o diagnóstico da médica, a placenta realmente estava baixa. O que a médica esqueceu de dizer é que é normal ter placenta baixa nesse período da gravidez. Placenta baixa só é diagnosticada como uma anormalidade quando a gravidez passa de 30 semanas (faça como eu, divida isso por quatro para saber o tempo em uma unidade mais corriqueira, como, meses).

Além disso, tem mais: o que causa parto prematuro é placenta prévia, e não placenta baixa. Além da explicação do médico, minha esposa falou que leu em algum outro lugar que a informação que estava do site onde ela leu isso estava errada.

Um erro atrás do outro

O que geralmente acontece no caso da queda de um avião, é uma sucessão de erros graves em uma seqüência particularmente desastrosa. Nesse caso específico não foi tão grave assim (ai de mim se ela souber que eu disse que não foi tão grave...), mas foi um conjunto de informações equivocadas que nasceram de uma informação incompleta. Isso acaba gerando uma bola de neve, ou o famoso telefone sem fio. Engraçado lembrar que brincávamos disso quando criança, e agora telefone sem fio não é mais um brincadeira, é algo que acontece mesmo no trabalho.

Imagine o que aconteceria caso não tivessemos o médico para confirmar? Mesmo que não assumíssemos essas informações como verdadeiras, ainda estariamos cheios de dúvidas. E com certeza, pensando na possibilidade de que todas as informações que foram encontradas fossem corretas. Quando você não tem informações suficientes, você é obrigado a obter uma conclusão com as informações que você tem. Por mais que essa sua conclusão não seja tão conclusiva assim.

Você já parou para pensar no que eu escrevi até agora?

Eu não entendo absolutamente nada de obstetrícia. Você acha realmente que as coisas que eu disse aqui sobre placenta prévia ou sobre hormônios são dignas de confiança? Além do fato de eu não ter a mínima qualificação para escrever sobre isso, essa história pode não ser verdadeira. E de fato, essa história está incompleta, já que eu a resumi para que o artigo não virasse uma tese sobre diagnósticos médicos. Não bastasse isso, nada me impede de simplesmente ter inventado essa história para ilustrar esse meu artigo. É necessário uma boa dose de criatividade para inventar uma história dessas, mas todos sabemos a Internet está cheia de desocupados e pessoas com criatividade de sobra.

Eu tenho uma justificativa de que isso é um site de programação e realmente tudo o que eu falar sobre medicina aqui não deve ser levado a sério. Mas não é assim que as coisas acontecem. Para uma pessoa que não tem noções de inglês e não entende de informática, o nome desse site não quer dizer absolutamente nada, e pode até ser um termo médico .

O Google deve indexar esse artigo pouco tempo depois de publicado. Como temos aqui termos como “gravidez”, “exame”, “placenta prévia” e “cesariana”, é bem capaz que uma mulher procurando informações sobre gravidez no Google venha, por engano, a ler esse artigo. Aqui ela vai ler a história da minha esposa e pode chegar a conclusão de que, como a gravidez dela ainda não chegou em 30 semanas, o diagnóstico de placenta-qualquer-coisa que ela recebeu é algo que não merece preocupação. Afinal, as características do problema dela são muito parecidas com o que eu escrevi aqui. Só que, provavelmente, o problema dela deve ser algo totalmente diferente. Sabe aquela história que as pessoas falam, de que é só colocar mais memória no computador que ele fica mais rápido? Então...

As pessoas não podem deixar de se expressar simplesmente pelo fato de que alguém pode interpretar suas palavras de uma forma equivocada, mas é bom que saibamos que essa possibilidade existe e é bastante comum. Mas uma coisa é fato: a grande maioria das pessoas não pensa muito nisso antes de falar alguma coisa.

Nenhuma opinião é totalmente isenta

Bom, chega de medicina por hoje. Vamos voltar à informática.

Quando se fala de tecnologia, toda pessoa tem uma preferência, uma simpatia. Eu sempre trabalhei com tecnologia Microsoft. Estou acostumado com a política de produtos deles, e tenho sempre uma noção do que esperar de um software Microsoft. Esse é meu mundo, são as coisas que eu convivo no dia a dia. Eu já mexi com Linux e PHP, mas estou longe de ser um profissional com experiência nessa área. 

Eu consigo resolver problemas de componentes COM e DLLs faltantes pelo cheiro. Chega a ser até óbvio que eu diga que isso não é lá tão complicado. Mas é. O Dll Hell que todo mundo diz e a Microsoft tenta resolver não é problemático pra mim, porque eu sei como resolver.

Eu já cheguei a usar somente Linux durante 4 meses. Desisti porque Linux não tem Visual C++ e eu simplesmente não consegui satisfazer as dependências necessárias para que o KDevelop funcionasse, nem com o maravilhoso APT do Debian. Aí está o Dll Hell do Linux, as dependências intermináveis entre os pacotes. A diferença é que desse inferno eu não consegui me livrar. Qual a tendência? Que eu fale que o gerenciamento de pacotes do Linux é uma porcaria. Talvez seja. Mas eu não tenho gabarito técnico suficiente para afirmar isso.

Todo programador Microsoft vai falar que Java é lento. Todo programador Linux vai falar que o Windows é extremamente inseguro. Só que o programador Microsoft viu essa informação em um paper da Microsoft, e o programador Linux leu isso no Slashdot. Como a opinião deles pode ser isenta e confiável se as fontes deles não são?

WHERE IssoMeInteressa = TRUE

Existe muita coisa boa na Internet, mas nem tudo pode ser encarado com verdade absoluta. Por exemplo, eu acho que os artigos que o Joel Spolsky escreve são muito bons. Mas existem algumas coisas que ele escreve que eu simplesmente não concordo. Mas eu não deixo de ler por causa disso, eu filtro as coisas que ele diz, aproveitando o que me interessa. Eu acho as opiniões dele quanto a .NET muito radicais.Mesmo assim eu leio, estudo os argumentos e paro pra pensar se ele tem razão.

Isso é uma coisa importante. Mesmo que você não concorde, leia. Leia com bastante senso crítico, mas leia. Falta de informação é um problema imensamente maior do que o excesso de informação. Com excesso de informação você pode ter o trabalho de filtrar tudo que você absorveu, mas depois disso você conseguirá formular uma opinião convicta e com embasamento suficiente. Se você não tem informação, você simplesmente não tem nada.

Sem informação, não há decisão

Um tempo atrás eu resolvi de uma vez por todas descobrir o que faz o tal  Tivoli, da IBM. Ouvi dizer que é um software de gerenciamento, o que não me diz absolutamente nada. Entrei no site da IBM e baixei uma apresentação sobre o Tivoli. Tirando o fato de que o conteúdo da apresentação deixava a desejar, uma coisa me chamou a atenção: A interface gráfica das ferramentas que foram mostradas é simplesmente horrível. Para ser sincero, eu não esperava algo tão tosco de uma empresa do porte da IBM. Apesar da brincadeira com meus colegas (programadores Microsoft...) sobre tamanha tosquice, eu ainda continuo na mesma. Agora eu sei que o Tivoli é uma ferramenta de gerenciamento de sei-lá-o-que com uma interface gráfica horrível. Ainda considero que estou no mesmo lugar, já que uma interface gráfica mal feita e fora de padrão não necessariamente determina se um software é bom ou não. Mas eu continuo sem saber o que é o Tivoli.

Eu leio os blogs da Microsoft. Mas também leio o Slashdot, até mando links para serem publicados lá. Eu costumo visitar a página da Microsoft, mas também visito a página do Gnome, do KDE, do Debian, do Mono, etc. Isso me municia de informações que podem ser muito úteis na hora em que eu precisar tomar alguma decisão. Mas sei que para tudo que está escrito, sempre haverá uma outra versão em outro lugar, com uma visão muitas vezes totalmente oposta. E isso é uma das coisas que eu irei procurar: o outro lado. Um vendedor de carros sempre diz que os carros da marca dele são muito bons, e os das outras marcas nem tanto.

Resumo final

Vou resumir aqui tudo o que eu escrevi nesse artigo

  • Nunca confie em uma informação de uma fonte só, ela pode ser tendenciosa ou insuficiente. Se um site diz que é muito difícil configurar replicação de SQL Server quando o servidor SQL não é o mesmo do servidor IIS, procure a mesma informação em outro lugar. Além do fato de que quem escreveu pode não ter capacidade técnica suficiente para isso, ele pode ter tentado uma vez só. Você já viu configuração de servidor funcionar na primeira tentativa?
  • Quando ouvir de alguém a opinião sobre um determinado software ou produto, nunca considere essa opinião como sendo correta. Não escreva um laudo técnico sobre um software que você ouviu falar que não funciona. A pessoa que te disse também pode somente ter ouvido falar.
  • Confiança, nesse caso, não funciona. Se sua mãe te envia um e-mail com um executável anexo e diz que o anexo é inofensivo, você o executa? Você pode confiar muito na sua mãe, mas ela continua não entendendo nada de computadores.
  • Nada que foi escrito nesse artigo deve ser levado ao pé da letra. Sua mãe pode ser uma hacker, as informações médicas que existem na Internet podem estar sempre corretas. Ou simplesmente, as coisas que eu escrevi aqui podem estar incorretas. Ou até, minha experiência e meu conhecimento técnico não serem suficientes para escrever um artigo desses.
  
 
 
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